Correio do Minho

Braga, quinta-feira

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Um juiz sozinho no seu labirinto!...

Braga - Concelho mais Liberal de Portugal

Ideias

2016-09-25 às 06h00

Artur Coimbra Artur Coimbra

Há profissões que têm os seus códigos de conduta muito próprios e que os seus profissionais devem respeitar, adentro, obviamente, dos princípios de um Estado de Direito Democrático, como é aquele em que vivemos, que consagra iniludivelmente a liberdade de expressão e comunicação. Em algumas profissões, falar muito é mesmo exigência profissional, como apresentadores de televisão ou de rádio, artistas, relatadores de futebol e quejandos. Em outras, o silêncio é mesmo de oiro, como costuma dizer-se, quando a palavra é de prata… Ou de latão pode ser!...

Nos últimos dias, tornaram-se tema de conversa duas entrevistas do chamado “super-juiz” Carlos Alexandre a dois órgãos de comunicação de grande expansão, curiosamente do mesmo grupo económico (SIC e Expresso), o que poderá querer significar alguma coisa. Pelo menos, contenção, recato, sobriedade e discrição é coisa que escasseia a um juiz que alardeia características idiossincráticas que fazem lembrar paradigmas já passados e ultrapassados, como os de personagens como Salazar ou Cavaco Silva, que faziam gala de estilos de vida espartanos, alegavam não ter riqueza pessoal, nem terem enriquecido no exercício das funções públicas, terem subido na vida a pulso, e acabavam a “ensinar” as “delícias” do campo, da simplicidade e da pobreza.

Carlos Alexandre faz derivar a sua alegada importância e poder pela posição que ocupa e pelo facto de ter entre mãos quase uma dezena de megaprocessos de impacto mediático. Lembremos que foi ele que mandou prender o antigo primeiro-ministro José Sócrates e o então maior banqueiro do país, Ricardo Salgado. Há quem diga que o que o juiz dos grandes casos sabe e tem em mãos pode fazer ruir o regime, o que francamente não me descansa rigorosamente nada, antes me inquieta.

Desconfio imenso dos pretensos salvadores da Pátria, dos homens que se julgam predestinados para a messiânica missão de salvar o regime ou o país. Não acredito pura e simplesmente nessas pessoas. Desconfio dos seus intentos e coloco reservas à sua inocência. A construção ou a salvação de uma Pátria é obra de um colectivo, de todos os portugueses, não de quem se julga com poder ou destino para tal.

Diz-se que o magistrado vive a Justiça como um 'sacerdócio' e ele próprio sublinha que não tem “fortuna pessoal, nem herdada, não tenho amigos pródigos, os meus encargos só são sustentados com trabalho sério'. Ao reiterar não ter 'dinheiro ou contas bancárias em nome de amigos', está obviamente a enviar uma indirecta a um dos processos que ele lidera e do qual não há meio de fazer acusação.

Aquele que, entre os juízes, é muitas vezes apelidado do 'saloio de Mação', sua terra natal, chega ao desplante de afirmar, justificando não ter habilitações para ser juiz desembargador, que 'não tenho livros publicados, não vou a conferências, não tenho pós graduações, trabalho muito'.

Num tempo em que se valoriza justamente a formação profissional, a actualização de conhecimentos, a participação em congressos, a escrita de artigos científicos ou de investigação, a publicação de livros, ressabe a uma abencerragem em vias de extinção a assunção pública de que nada disso se faz. E dito com quase orgulho, o que torna o caso ainda mais exótico!...

Carlos Alexandre assume-se como um viciado em trabalho, o que não é mal nenhum, dizendo que, além do trabalho no TCIC, faz turnos de fim-de-semana no Tribunal de Instrução Criminal, de forma a obter mais rendimento ao fim do mês face aos seus compromissos assumidos. 'Em 52 sábados num ano, trabalhei 48', revelou o magistrado, acrescentando que há dez anos que não sabe o que são 'férias' no sentido clássico, isto é, estar, por exemplo, duas semanas fora do tribunal.

Francamente, e salvo o devido respeito, não é normal este comportamento!...
O seu quotidiano é, segundo descreveu, preenchido com o circuito 'casa-trabalho-casa'. Praticamente, deixou de almoçar em restaurantes, por ter 'preocupações com que as pessoas nas mesas ao lado estejam a ouvir o que estou a dizer'. E quem o obriga a ir para os restaurantes falar dos processos que tem em mãos?

Um homem só, isolado no labirinto da sua solidão, que não tem amigos, que se diz escutado não se sabe por quem nem por quê, que diz viver apenas para o trabalho e que nem sequer tem o número de telemóvel do outro juiz do TCIC, Ivo Rosa, que com ele trabalha há um ano nos processos de criminalidade complexa e o substitui legalmente. “Dou-lhe a saudação e ele dá-me a saudação”, quando se encontram num corredor, eles que fazem parte da mesma equipa de trabalho.

Francamente, e salvo o devido respeito, não é um comportamento normal!
É claro que já se especula por aí que a recente e inusitada exposição mediática de Carlos Alexandre poderá ter um objectivo mais comezinho e imediato: está a arranjar lenha para ser “queimado” pelo Conselho Superior de Magistratura. Porventura, se um processo lhe for instaurado superiormente e antecipando-se às suas conclusões, o “super-juiz” dá à sola e livra-se dos casos complicadíssimos que tem entre mãos, e para os quais parece não ter arranjado até agora acusações fundamentadas.

Poderá ser. Poderá não ser. Mas que há comportamentos que não são normais, lá isso não são!

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